Júlia, sei que não estou no bom caminho. Sei que o percurso que tenho à minha frente é ainda extremamente longo. Sei que sozinha dificilmente me curarei. Sei isso tudo. Juro que sim.
Queria tanto conseguir resistir, mas cada vez começo mais a pensar que é impossível. Gostava de ser uma rapariga normal, como era... Por vezes, tento fazer um esforço para me lembrar de como a minha alimentação era antes da doença, e apenas chego à conclusão de que não me recordo. E porquê? Porque naquela altura isso não se apresentava como um problema, mas sim como uma situação rotineira do dia-a-dia. A alimentação era regrada, mas não obcessivamente controlada. Sei que tinha cuidado com a alimentação porque era e tinha muito gosto em ser saudável, mas nada de paranoias. Apenas controlava a ingestão de determinados alimentos (como doces). Tudo o resto era normal: comida, pão, leite, iogurte, fruta, chocolate, manteiga, àgua e eventualmente um refrigerante.
Agora, tudo está diferente. Tento, de forma exagerada e, consequentemen-te, infrutífera, controlar a ingestão de pão, massa e arroz, assim como de doces, chocolate e refrigerantes. Num momento tento resistir a tudo isto e no outro já estou a comer todos estes alimentos de uma só vez. E pergunto: vale a pena??
Por vezes, ponho-me a observar as outras pessoas a comer... E dou por mim a pensar: "Será que estas pessoas não têm medo daquilo que estão a ingerir?? Será que ela não pensam na densidade calórica de cada alimento?" Depois penso em como sou forte por não estar a comer aquilo que eles estão a comer, para a seguir vir a culpa de já ter comido tudo o que recusei...
É tão difícil lidar com estes sentimentos... Arrisco mesmo a dizer que só quem tem um distúrbio alimentar percebe a cem porcento aquilo que aqui escrevo. As outras pessoas (e ainda bem que estás presente, Júlia - não querendo desprezar as outras pessoas, claro) sabem o que é bem e o que é mal, mas não percebem a nossa angústia, o dilema interior com o qual nos confrontamos dia após dia, refeição após refeição.
Por cada grafada a mais, por cada compulsão, não deixo de pensar na minha família, nos meus amigos e no meu rapaz. Se eles descobrem (principalmente os meus pais, apesar de serem quem me ajudaria primeiro) sei que os abalarei muito. Apercebo-me que sou a filhota do papá; sinto que o meu pai tem um carinho especial por mim. Tem com os meus outros irmãos, tal não se põe em causa, mas sei que por ser a única rapariga ("os opostos atraem-se"), ele acarinha-me mais. E depois penso: se conto, acabarei com esta felicidade do meu papá, por saber que a sua filhota é uma aluna bastante boa, por ter uma vida amorosa equilibrada, por ter uma vida saudável e por passar o tempo de bem com a vida. Eu não posso, nem tenho o direito moral de lhe roubar essa felicidade, de lhe puxar o tapete debaixo dos pés. Ele mata-se a trabalhar para me dar tudo o que gosto a nível material: livros, cd's, maquinetas variadas e afins. A ní-vel sentimental também me preenche. E se eu conto? Tudo se desmorona. Claro que o afecto do meu pai para comigo não acabará, mas reinará a desilusão. E se há coisa com a qual não consigo lidar, é com a desilusão. Não aguentaria olhar para os olhos do meu pai e não encontrar os seus postos nos meus...
Estou assutada, tenho medo do futuro, mas, essecialmente, tenho medo do monstro que me estou a tornar, tudo por culpa da maldita dieta mal conseguida.
FICA A ESPERANÇA NO DIA DE AMANHÃ...
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. ...
. ...
. aiai...
. ...